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Na manhã deste 29 de setembro, Clarissa e eu passeamos a pé pelo centro de Madri para ver os efeitos da greve geral convocada por Comisiones Obreras (CCOO) e Unión General de Trabajadores (UGT), principais sindicatos de trabalhadores da Espanha, contra a Reforma Laboral proposta pelo governo de José Luis Rodríguez Zapatero. À exceção da massiva presença policial nas ruas e dos cartazes e adesivos conclamando os cidadãos a aderir ao movimento, em três horas de caminhada não vimos nada digno de nota. Alguns comércios haviam baixado as portas, outros funcionavam normalmente, sem incidentes. Na Puerta del Sol, turistas passeavam tranquilamente, apesar de notarem um clima estranho no ar.

Cartaz conclama os espanhóis a aderir à greve geral

Para quem vive na Espanha, a huelga general não é nenhuma surpresa, mas sim um evento programado há meses, amplamente discutido nos meios de comunicação e nas ruas. Todos estão se preparando para ela há vários dias. Para os turistas, entretanto, trata-se de uma surpresa. O estrangeiro que não fala espanhol tem dificuldade para entender a expressão huelga general, já que, para ficarmos nas duas línguas mais turísticas do mundo, o termo em espanhol é muito diferente de strike ou grève do inglês e do francês. Ao ver pontos de interrogação na cara dos turistas, chamou-me atenção um fato curioso sobre a palavra greve. Por que um conceito tão universal tem palavras tão diferentes em cada idioma, mesmo nos latinos, onde só o francês e o português concordam que deixar de trabalhar para reivindicar algo é fazer uma grève ou greve?

Muitas das palavras que usamos em português vêm do grego, mas a greve não entra nesse pacote. Foi justamente em Atenas que me dei conta do quão difícil é saber se se está no meio de uma quando não se sabe como dizer “greve” na língua local. Em abril de 2009, aproveitamos uma promoção da companhia aérea Iberia para passar uns dias na capital grega. Escolhemos um hotel baratinho na cara da estação de metrô de Viktoria. Na primeira manhã, encontramos o acesso à linha um fechado. Perguntei a um policial, em inglês, o que ocorria e ele me respondeu:

— Line one not work today and tomorrow.

— Thank you, sir. — agradeci-lhe. — Is it a strike?

— Not working. Sorry. Go to Omonia Square — respondeu-me, demonstrando que, assim como απεργία (apergía) não estava entre as poucas palavras que eu conhecia do grego, strike não constava no seu vocabulário de inglês.

O português adotou a palavra francesa "grève" sem o acento grave

Nós lusófonos tomamos emprestada uma palavra do francês para definir o ato de parar o trabalho para reivindicar algo. A palavra grève vem da Place de Grève, nome da Place de l’Hôtel de Ville, em Paris, até 1830. Essa praça situada à beira do Sena e diante da prefeitura era usada para carga e descarga de barcos por causa dos bancos de areia (grèves) e também era um ponto de concentração de pessoas sem trabalho. Coração da cidade à época, o local era palco de todas as manifestações e pouco a pouco o ato de parar as atividades para pressionas os patrões ganhou o nome grève. Como o francês, até o fim do século XIX, era a língua da cultura e da diplomacia na Europa, o português acabou adotando o mesmo termo.

Os italianos parecem ser os mais puristas quando o assunto é a etimologia da palavra greve. Se você pretende passar férias na Bella Italia, fique sempre de olho nos scioperi. É sciopero dei treni (greve de trens), sciopero dei vaporetti (greve dos barcos de Veneza), sciopero dei camerieri (garçons)… Até os jornalistas já fizeram sciopero contra a Legge Bavaglio, a Lei Mordaça de Silvio Berlusconi. A palavra sciopero vem do latim ex operari, ou seja, fora de serviço. Ou seja, além de vir do latim, a língua-mãe de todos os idiomas romances, quer dizer exatamente o que o conceito de greve significa: deixar de trabalhar.

Em Barcelona, nem todos os grevistas são "vagabunds"

Os catalães, conhecidos na Península Ibérica pela sua austeridade e pelo seu amor pelo trabalho, — ou, falando em bom catalão, por ser garrepes (pão-duros) — tinham que ser os mais implacáveis ao escolher um termo para definir o ato de cruzar os braços. Em catalão, greve é vaga, palavra que tem o mesmo radical que vagar e vagabund. Mas é claro que isso não faz com que tenham uma imagem depreciativa dos grevistas. De fato, poucos dias antes de 29 de setembro estávamos em Barcelona e notávamos uma mobilização tremenda de apoio ao movimento.

No castelhano, a palavra huelga também vem do latim. O verbo follicare significa, em latim tardio, soprar ou respirar, e deu origem a holgar, que significa estar ocioso, não trabalhar. O termo huelga também se aplica ao período em que a terra fica sem cultivo, ou seja, o tempo em que os lavradores podem respirar um pouquinho. Mesma origem tem a palavra folga, usada para designar greve em galego. Trata-se, claramente, de uma variação fonética, já que muitas palavras do galaico-português ganharam ditongos nas sílabas tônicas e um “h” no lugar do “f” em sua versão castelhana (folga -> huelga).

O fato é que hoje, na Espanha, 20% da população economicamente ativa não têm trabalho, são ex operari ou scioperai em huelga ou folga permanente, e façam ou não façam vaga ou grève, infelizmente ninguém vai notar a diferença.

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